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Mário Crespo - A Última Crónica / Livro


Mário Crespo é um jornalista sobejamente conhecido. Mas o que faz dele uma pessoa especial é, nesta época de "fartar vilanagem" em que a ganância predomina, e o medo prevalece, não calar a sua voz para denunciar as injustiças deste país.
Vamos ser claros. O que causa todo este mal estar social não é a falta de competitividade e produtividade como nos bombardeiam todos os dias, mas sim a ganância individualista, as vigarices que campeiam por todo o lado, a falta de valores e solidariedade, a supremacia da mentira.
É óbvio que todos somos culpados, mas quem nos governa e gere as grandes organizações económicas têm uma responsabilidade acrescida.
Por isso Mário Crespo denuncia com vigor e coragem toda a sacanagem que por aí circula. E mais, não o faz genericamente, como alguns outros, num discurso redondo que, passe o pleonasmo, não tem ponta por onde se lhe pegue. Não, Mário Crespo põe os nomes nas coisas e pessoas que denuncia.
Para que não fique isolado e à mercê do sistema que critica,merece apoio. Para que a liberdade que todos desfrutamos possa continuar a ser exercida.
Aqui fica esta pequena e singela homenagem.
E, já agora, leiam o livro!



Autor: Mário Crespo
Título: A Última Crónica
Prefácio: Henrique Medina Carreira
Editora: Alétheia Editores
Ano de Edição Original: Fev. 2010
Número de Páginas: 238
ISBN: 978-989-622-239-0


O Palhaço

O palhaço compra empresas de alta tecnologia em Portugal Rico por milhões, vende-as em Marrocos por uma caixa de robalos e fica com o troco. E diz que não fez nada. O palhaço compra acções não cotadas e num ano consegue que rendam 147,5 por cento. E acha bem. O palhaço escuta as conversas dos outros e diz que está a ser escutado. O palhaço é um mentiroso. O palhaço quer sempre maiorias. Absolutas. O palhaço é absoluto. O palhaço é quem nos faz abster. Ou votar em branco. Ou escrever no boletim de voto que não gostamos de palhaços. O palhaço coloca notícias nos jornais. O palhaço torna-nos descrentes. Um palhaço é igual a outro palhaço. E a outro. E são iguais entre si. O palhaço mete medo. Porque está em todo o lado. E ataca sempre que pode. E ataca sempre que o mandam. Sempre às escondidas. Seja a dar pontapés nas costas de agricultores de milho transgénico, seja a desviar as atenções para os ruídos de fundo. Seja a instaurar processos, seja a arquivar processos. Porque o palhaço é só ruído de fundo. Pagam-lhe para ser isso com fundos públicos. E ele vende-se por isso. Por qualquer preço. O palhaço é cobarde. É um cobarde impiedoso. É sempre desalmado quando espuma ofensas ou quando tapa a cara e ataca agricultores. Depois diz que não fez nada. Ou pede desculpa. O palhaço não tem vergonha. O palhaço está em comissões que tiram conclusões. Depois diz que não concluiu. E esconde-se atrás dos outros vociferando insultos. O palhaço porta-se como um labrego no parlamento, como um boçal nos conselhos de administração, e é grosseiro nas entrevistas. O palhaço está nas escolas a ensinar palhaçadas. E nos tribunais. Também. O palhaço não tem género. Por isso para ele o género não conta. Tem o género que o mandam ter. Ou que lhe convém. Por isso pode casar com qualquer género. E fingir que tem género. Ou que não o tem. O palhaço faz mal orçamentos. E depois rectifica-os. E diz que não dá dinheiro para desvarios. e depois dá. Porque o mandaram dar. E o palhaço cumpre. E o palhaço nacionaliza bancos e fica com o dinheiro dos depositantes. Mas deixa depositantes na rua. Sem dinheiro. A fazerem figura de palhaços pobres. O palhaço rouba. Dinheiro público. E quando se vê que roubou, quer que se diga que não roubou. Quer que se finja que não se viu nada. Depois diz que quem o viu o insulta. Porque viu o que não devia ver. O palhaço é ruído de fundo que há-de acabar como todo o mal. Mas antes ainda vai viabilizar orçamentos e centros comerciais em cima de reservas da natureza, ocupar bancos e construir comboios que ninguém quer. Vai destruir estádios que construiu e afinal ninguém queria. E vai fazer muito barulho com as suas pandeiretas digitais, saracoteando-se em palhaçadas por comissões parlamentares, comarcas, ordens, jornais, gabinetes e presidências, conselhos e igrejas, escolas e asilos, roubando e violando porque acha que o pode fazer. Porque acha que é regimental e normal agredir violar e roubar. E com isto o palhaço tem vindo a crescer e a ocupar espaço e a perder cada vez mais vergonha. O palhaço é inimputável. Porque não lhe tem acontecido nada desde que conseguiu uma passagem administrativa ou aprendeu o inglês dos técnicos e se tornou político. Este é o país do palhaço. Nós é que estamos a mais. e continuaremos a mais enquanto o deixarmos cá estar. A escolha é simples. Ou nós, ou o palhaço.
Jornal de Notícias, 13/12/2009

As Couves de Bruxelas

A esquerda portuguesa no Parlamento Europeu uniu-se contra Nuno Melo por uma questão de etiqueta. PS, PCP e BE acham que não foi de bom-tom interpelar o procurador Lopes da Mota no plenário em Estrasburgo sobre a sua tentativa de manipulação da justiça. De lado ficaram as históricas diferenças das Internacionais catalogadas por números. Acabaram-se as subtis variantes do que deve ser um matrimónio entre dois homens ou duas mulheres. Foram-se as vibrantes divergências programáticas dos enunciados de Engels, Bakunine e Trotsky.
Tudo porque estão envergonhadíssimos com o ultraje às boas maneiras que foi o questionamento do CDS-PP ao presidente do Eurojust. Estranha coligação, perigosa a deriva para o comodismo das conveniências que, simultaneamente, Ilda Figueiredo (PCP), Correia de Campos e Edite Estrela (PS) e Miguel Portas (BE) denotaram ter. Todos puxaram pelos galões de apparatchiks instalados para,com o olho crítico de conhecedores da inacção prolongada, lançar uma excomunhão conjunta sobre Nuno Melo por ter levantado o tema.
Traduzida por miúdos, a reacção do grupo expedicionário da esquerda portuguesa foi: aqui não se fazem ondas. Come-se e cala-se. Correia de Campos achou a interpelação a Lopes da Mota «parola e reveladora de atraso cultural». O antigo ministro de Sócrates sentia-se confortável com um alto magistrado de Portugal com poderes condicionados pelo seu comportamento no Freeport à frente do Eurojust. Mas acha mal que o assunto, já do conhecimento de toda a Europa, seja abordado no Parlamento Europeu. Isso, para Correia de Campos, é atitude que «prejudica a posição e o prestígio do país», rematando com um notável «no estrangeiro somos todos descendentes de Vasco da Gama».
Certo. Seremos isso. Mas essa estirpe ilustre não nos obriga a ser cúmplices de Lopes da Mota nas irregularidades que o Conselho Superior do Ministério Público detectou. Pelo contrário. A distinção dessa linhagem manda que se usem todos os meios para não deixar que o nome de Portugal e a dignidade das suas instituições sejam melindrados às mãos de terceiros. Compete a portugueses interpelar, julgar e condenar Lopes da Mota. Ilda Figueiredo e Miguel Portas alinharam com paixão no auto-de-fé dos zelotes deste PS de boas maneiras. Para Portas, o deputado do CDS-PP fez tudo para ter direito a «dez segundos de glória nos telejornais». (Teve muito mais. Só eu dei-lhe 2'11''.) Para o Partido Comunista Português, as denúncias de Nuno Melo seriam «fenómeno passageiro» de político habituado a São Bento mas desconhecedor das diferenças com Estrasburgo, disse a repetente comunista em Bruxelas.
Para usar a terminologia de Correia de Campos, que «entendimento parolo» das suas funções e dos seus deveres na Europa terão adquirido estes veteranos da acomodação política? Será que a vegetativa existência de que desfrutam há tantos anos lhes destruiu o bom senso? Será que não vêem que ter um jurista suspeito (e agora culpado) de pressões ilegais à frente de um órgão judiciário internacional exige interpelações parlamentares sempre que possível? Será que não vêem que foi melhor e mais digno serem portugueses a fazê-las do que outros que as fariam de certeza, mais cedo ou mais tarde?
Jornal de Notícias, 20/12/2009











                         


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