Em seguida aponta os motivos da derrocada em que a Europa caiu há muitos anos e responsabiliza principalmente os políticos pelo facto, designadamente por mentirem sistematicamente sobre a realidade da situação e assim inviabilizarem qualquer possibilidade de recuperação.
Título: O Conflito Global - Ou a Guerra da Prosperidade
Autor: Gabor Steingart
Editora: Editorial Presença
Tradutor: João Bouza da Costa
Nº de Páginas: 324
Ano:2009
Ano original: 2006
Esta já não pode passar por métodos antigos como a guerra de ocupação ou mesmo a fé na melhoria das condições económicas para amortizar as dívidas mas tão somente em dizer a verdade e estabelecer um novo contrato social (ver citação abaixo).
O autor relata ainda como todos os políticos europeus (pelo menos aqueles que mandam mais) se deixaram embevecer pelas teorias do economista David Ricardo que venera o chamado “mercado livre” e como essas teses são completamente irrealistas, mais ainda que as de Karl Marx e Keynes.
O autor explica aquilo que todos sabemos mas que os políticos não querem ver: A China está numa batalha para conquistar o poder económico das outras potências e, para isso, o Estado é peça fundamental na protecção da sua indústria de exportação, não se importando em deixar para trás cerca de 450 milhões de pessoas, na mais indigente miséria, ou seja, não se importando com os meios para atingir os fins, levando a cabo uma política fortemente intervencionista e proteccionista.
O que o autor mais se admira é a completa passividade dos políticos europeus para ir no canto da sereia dos políticos chineses que dizem que sim a tudo o que os europeus lhe chamam a atenção mas não fazem nada.
Se os políticos europeus se preocupam em que os produtos chineses, e outros, cheguem aos seus consumidores nas melhores condições, porque não exercer similar exigência no que toca à mão-de-obra, obrigando os chineses a respeitar as leis internacionais e a protecção dos direitos humanos e do trabalho, sob pena de não receber os seus produtos? Quem perde? Os trabalhadores europeus.
Ou seja, o intervencionismo e proteccionismo só pode ser combatido com medidas semelhantes e não esperar ingenuamente que o “mercado livre” resolva as coisas. Mesmo a teoria de que os produtos chineses são baratos cai por terra, pois todos conhecem a prática de “rebentar” com os concorrentes para depois colocar os preços ao nível que se quer. Isso foi usado cá, por exemplo, pela FNAC.
O livro é todo ele brilhante mas tem peças absolutamente geniais, apresenta soluções e denuncia a irresponsabilidade dos políticos do presente.
Comprem-no e usufruam da inteligência em acção.
Passo a transcrever uma dessas peças:
[…] O terceiro método (os outros são a guerra e a desvalorização monetária) consiste num elevado crescimento económico. Os défices podem então ser amortizados sem que os cidadãos se apercebam sequer disso. Sem grandes alaridos, uma percentagem de cada acréscimo das receitas é canalizado para a amortização. A prosperidade restante ainda é suficiente para satisfazer todos. Durante muito tempo os políticos ainda pensar na que a conjuntura lhes pudesse viabilizar essa saída. Mas não foi isso que aconteceu.
No entanto, um regresso à prosperidade não será possível sem que a questão da dívidas seja solucionada. Actualmente, o Estado endividado não permite que o Estado dos investimentos se desenvolva. Os governos europeus bem podem falar em aumentos no orçamento para a cultura, mas não os podem pagar. Todos eles avaliam a sua infraestrutura em degradação, sem que sejam suficientemente fortes para a travar.
Uma vez que a guerra, a inflação e o supercrescimento estão fora de hipótese, as sociedades europeias têm, desta vez, que recorrer às suas próprias forças para resolverem os problemas. Para isso, os actores poderiam basear-se em dois princípios cuja concretização não significaria outra coisa senão um novo Contrato Social. Como partes envolvidas nesse contrato avançariam o povo comum, o Estado e os detentores do capital.
Entre estes três grupos teria de haver um debate aberto sobre os verdadeiros motivos do acumular do endividamento estatal. O Estado e os partidos que o governam terão de admitir que andaram, durante anos, a fazer promessas estapafúrdias, sem que se tivessem empenhado no cumprimento dessas promessas com uma energia comparável. No final desse debate, o Estado não terá outra alternativa senão travar os seus gastos, para atenuar a sua fome de créditos. Nesse contexto, os políticos das últimas décadas podem prestar um derradeiro serviço à sociedade, surgindo perante o povo para admitir os erros passados e explicar que o Estado-Providência actual está a minar as condições de que necessita para funcionar. É ele próprio que cava a sepultura em que, no final, irá cair.
Se a desmontagem for efectuada de uma forma inteligente e justa, acabará por poupar os verdadeiros necessitados. Ma Europa o sector social não é negociável. Só quem possui os recursos e as capacidades para tal é que pode ser encorajado a assumir responsabilidades e autonomia próprias. O pequeno reformado pouco pode fazer para melhorar a sua condição material. Para quem sofre de uma doença crónica torna-se impossível vergar-se novamente sob o peso do trabalho. No que aos orçamentos destinados às crianças e ao ensino dos jovens diz respeito, o Estado também não deve reduzi-los, porque esses grupos constituem a raiz, através da qual ele próprio será abastecido com energia no amanhã e no depois de amanhã.
Para muitos outros, capazes de trabalhar mas sem vontade de o fazerem, e sobretudo para aqueles jovens e adultos ainda novos que, sem qualquer necessidade, se “encostam” ao Estado, terá de ser exigido um esforço de recomeço. Para esses não deverá ser possível continuar sem fazer nada e receber o salário integral. O chamado “salário combinado” que existe em muitos países europeus, composto pelo subsídio de desemprego e por salários do mercado negro tem de ser novamente empurrado para a periferia da sociedade, de onde alastrou para o centro. Aquilo que começou com uma pequena artimanha tornou-se uma ameaça para a vontade de trabalhar de cada um e a capacidade de trabalho da sociedade no seu todo. Existe um direito à preguiça e um direito ao apoio estatal, mas os dois não devem poder ser combinados. Embora o Estado deva aceitar o preguiçoso, não deve nem tem que o suportar. Quem promete ou incentiva outra coisa, está a agir contra o Estado Social.
Também as classes médias trabalhadoras, aquelas pessoas, portanto, que estão em condições de compensar a desmontagem do Estado com um esforço próprio, terão de contar com restrições. A quantidade de prestações sociais estatais que recebem, mas de que não necessitam, terá de diminuir. Existem muitas questões em aberto e aproxima-se a altura em que para elas terão de ser encontradas respostas: Porque é que o abono de família é pago a todos, mesmo àqueles que ganham bem? Porque é que ele continua a ser pago mesmo quando o filho ou a filha ultrapassaram há muito os 25 anos? Porque é que o Estado incentiva com quantias astronómicas os casamentos sem filhos, através do splitting matrimonial, apesar de ser muito mais lucrativo, sob o ponto de vista das poupanças e dos custos, viver juntos? Porque é que as creches e os infantários são caros e as universidades grátis?
Inicialmente, a classe média terá de suportar algumas restrições, mas acabará por ser ela quem mais irá lucrar com o esforço concertado. A mudança para menos tem para ela um lado positivo, cujo efeito psicológico não deve ser menosprezado: ela troca a redução nos pagamentos do Estado por um acréscimo de fiabilidade.
No entanto, isso não irá bastar. Qualquer que seja o ponto de vista, a estratégia só pode ser uma: para recuperar a capacidade de intervenção de um Estado que caiu na armadilha do endividamento, as poupanças e a economia das pessoas simples constituem uma condição essencial, mas não única. Se se quiser verdadeiramente amortizar o endividamento estatal, os mais ricos terão também de dar uma contribuição que ultrapasse a actual dimensão simbólica. O problema do endividamento estatal não é simbólico, pelo que os símbolos pouco podem contribuir para a sua solução. Para as pessoas em questão isso é uma má notícia, e não poucas irão achá-la inaceitável. A sua carga fiscal é já agora enorme. Na Alemanha, os 10% mais ricos do país suportam 54% das receitas fiscais, e algo semelhante acontece na França e na Inglaterra. Uma contribuição dessa dimensão merece respeito e não insultos. Os ricos não se tornaram ricos por terem ganho a lotaria, ou por viverem como os corsários do alto-mar; quase sempre, a sua riqueza baseia-se numa capacidade que excede nitidamente a medida normal. Frequentemente, a vitalidade dos mais abastados é enorme; as suas ideias, o talento que demonstram no relacionamento com o dinheiro e os clientes, a sua perspicácia são, sob o ponto de vista social, desejáveis. Actualmente, não são muitos os espertalhões que por cá andam. Devemos poupar-lhes a gritaria histérica por mais justiça e maior igualdade na Terra. Sem a sua riqueza todos nós seríamos mais pobres. Com a sua fortuna, a sua reserva de ideias, a sua força de vontade, eles constituem a fonte a que os políticos de todos os partidos responsáveis pela distribuição costumam recorrer.
Não obstante, temos de lhes causar perdas na fortuna que são significativas e, por isso mesmo, dolorosas. E isso porque são eles que dispõem dos únicos recursos económicos que ultrapassaram sem danos a grande mudança. Quem teve jeito e sorte pôde aumentar significativamente a sua fortuna durante as últimas décadas. Entre muitos representantes da classe alta, o rendimento da fortuna é maior do que o total da fortuna dos anos do pós-guerra. O capital e os seus donos só tiveram a lucrar com o crescimento pacífico da economia mundial. Lucraram com os mesmos processos que noutros provocaram sofrimento. O mercado financeiro mundial e o mercado de trabalho global significam para eles um enorme presente. Só nos últimos dez anos, as fortunas pessoais dos alemães puderam aumentar em valor mais de 40%. […]
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